REPRESENTAÇÃO SIMBÓLICA DO PRAIA BELA SHOPPING CENTER

Não apenas objetos, mas também lugares podem carregar consigo um significado dado por aqueles que utilizam aquele espaço. Um estudo etnográfico realizado por Lengler e Cavedon (2001), no Praia Bela Shopping Center procurou apreender qual seria o significado dado a este estabelecimento por um grupo de adolescentes. Este shopping, fui inaugurado em 1991 e, segundo Lengler e Cavedon, sofre constantes inovações e modificações em suas instalação para cativar os seus clientes. Composto de 192 lojas, este shopping procuraria atrair diversos segmentos de consumidores, gerando um fluxo de setenta mil pessoas aos sábados e quarenta e cinco mil durante os demais dias da semana.

No primeiro dia de observação os pesquisadores entraram em choque com um dos aspectos mais difíceis que um pesquisador se depara durante a sua introdução no campo. Sendo que este campo está numa sociedade complexa e ainda mais sendo a sua própria, teriam que transformar o que lhes era comum em estranho, e como DaMatta (1993) já bem disse, o que nós é familiar não é necessariamente conhecido.

No interior do shopping, os pesquisadores constataram que predominavam grupos de adolescentes, porém com elementos que permitiram diferenciá-lo entre si. Ou seja, suas roupas, adereços e comportamento dentro do estabelecimento permitiam atribuir-lhes um identidade de grupo, sugerindo a existência vários grupos distintos de adolescentes. Para os pesquisadores, em grande parte, os adolescente demonstravam ser da classe média, ostentando marcas das lojas Gang, Trópico Surf Shop e outras lojas da mesma natureza, porém estes seriam, na verdade, vindos de classes mais baixas.

Após esta primeira avaliação, os pesquisadores procuraram mapear os espaços de circulação na tentativa de identificar os locais que poderiam encontrar possíveis informantes, sendo que estes informantes, na avaliação de Lengler e Cavedon, deveriam ser adolescentes usuários intensos do shopping em todas as suas dimensões.

"Uma breve caminhada foi suficiente para notar que um local não seria o suficiente para coletar os depoimentos, observei, os padrões variavam muito entre os vários territórios de poder no interior do shopping. Esses territórios referem-se aos espaços dentro dos shoppings utilizados pelos jovens para o encontro, o namoro, o flerte e a troca de experiências. Posso observar que diferentes grupos escolhem locais específicos para esta concentração" (Lengler & Cavedon, 2001)

Os pesquisadores observaram que existiriam dois grupos, inicialmente, distintos de adolescentes: o primeiro se reunia próximo as lojas de marcas caras, a aparentavam preocupação na escolha das roupas que usavam (cores combinando, acessórios, etc.). O segundo se reunia na praça de alimentação e não estariam tão preocupados com a suas roupas. E foi no segundo grupo que os pesquisadores centralizaram os seus esforços.

Na praça de alimentação, os jovens se agrupavam em grupos de quatro a oito membros, todos dividindo a mesma mesa e o mesmo copo de chope. As carteiras de cigarros e isqueiros ficavam sobre a mesa, como se fossem um bem de uso coletivo. Quando o chope acabava, um dos integrantes se encarregava imediatamente de providenciar outro. Os assuntos de suas conversas giravam em torno das matérias escolares, festas. Quando o tema das conversar era sobre os relacionamento íntimos, as garotas eram discretas e os rapazes mais extrovertidos. Mas um detalhe, eles não consumiam, ou seja, não faziam uso das lojas do shopping, apenas das lojas da praça de alimentação para comprar chope e alguns sanduíches acidentais.

Até então, a pesquisa estava somente na observação. No segundo dia, um sábado, os pesquisadores fizeram a primeira abordagem de um dos grupos na praça de alimentação. No primeiro instante, as carteiras, os cigarros e isqueiros foram rapidamente retirados de cima da mesa, e segundo Lengler e Cavedon, como se fossem símbolos secretos, somente para iniciados. Porém após a identificação e com o passar do tempos, os "símbolos" voltaram a mesa e logo os adolescente tornaram-se bem fluentes e dispostos a responder as perguntas que lhes eram feitas.

Segundo Lengler e Cavedon, para estes jovens, o shopping não servia apenas para diversão, seu significado seria mais complexo. Este perfil de uma fatia deixaria claro o padrão de uso das facilidade presentes no shopping, aonde as lojas seriam coadjuvantes no mundo ideal que seria construído pelos adolescentes. Tudo que se veria no shopping center seria algo que não pode ser encontrado fora dele. O shopping assumiria uma matriz social e humana, aonde representaria um realidade socialmente compartilhada, como sendo um instrumento urbano único, salvador e real. O shopping seria um espaço aonde o tempo e o espaço seriam estáticos, servindo como âncora para um breve esquecimento de suas realidades.

Está avaliação de Lengler e Cavedon parece ser bastante pertinente, mas acredito que se faz necessário alguns comentários. Segundo Augé (1994), um lugar pode se definir como identitário, relacional e histórico, completando-se pela fala, troca de senhas, convivência e cumplicidade. Sem dúvida, para os jovens que foram estudados nesta pesquisa, a praça de alimentação é um lugar. Não sei se poderíamos dizer que o shopping pode ser considerado como um lugar de sociabilização como um todo, já que ele não é composto apenas pela praça de alimentação. Assim, seguindo o raciocínio de Augé, as galerias e lojas do shopping são apenas espaços de transição, não são transformados por estes jovens em locais socialização, no máximo, talvez, seriam palco para relacionamentos sem rosto (Giddens, 1991). Para estes jovens, os demais espaços do shopping são "não-lugares", dentro do contexto de Augé.

Outro ponto que é preciso observar, é que no texto apresentado por Lengler e Cavedon, nos leva a crer que a pesquisa etnográfica foi realizada em apenas dois dias. Dois dias jamais serão suficientes para se entender como se dá a apropriação de um espaço por um grupo social, já que não há tempo hábil para se observar todas as variedades de eventos que podem ocorrer neste lugar. Até mesmo as reações esboçadas pelos adolescentes quando foram abordados pelos pesquisadores podem refletir, na realidade o comportamento que estes tem com outros atores que freqüentam o mesmo espaço ou advém de experiências pessoais e coletivas fora do shopping.

Quanto a observação e a prática da etnografia em si, talvez teria sido interessante se os outros grupos que utilizavam o mesmo espaço (seguranças, funcionários, vendedores, e outros consumidores) tivessem sido entrevistados. Sua avaliação sobre o grupo de adolescentes, poderia trazer diferentes considerações sobre o objeto e como este se apropria do espaço. Apesar de aparecer no discurso do jovem como sendo um lugar que tem tudo que eles querem e têm liberdade, esta liberdade é vigiada por outros grupos que estão no mesmo meio.O shopping  teria tudo que eles querem como consumidores ou como uma platéia em busca de símbolos e representações nas vitrines das lojas, que não necessariamente serão utilizados fisicamente por estes. Uma pesquisa etnográfica não pode ser fragmentada. É necessário um longo e planejado período de tempo e tão um período para reflexão sobre os dados obtidos.


Bibliografia utilizada neste texto:

AUGÉ, Marc. Não-lugares: Introdução a uma antropologia da supermodernidade. Editora Papirus, Campinas, SP, 1994.

DAMATTA, Roberto. Relativizando: uma introdução à antropologia social. 4ª ed., Rocco, Rio de Janeiro, 1993.

GIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade. Ed. da Universidade Estadual Paulista, São Paulo, 1991.

LENGLER, Jorge Francisco & CAVEDON, Neusa Rolita. De "templo do consumo" a representação mitológica: um olhar etnográfico desconstrutivo sobre os ritos no shopping center. XXV ENANPAD, ANPAD, Campinas, SP, 2001.


      « Voltar ::